Pelo menos três cidades da região do Sertão da Paraíba registraram denúncias contra instituições privadas de educação por supostamente oferecerem cursos de ensino superior sem possuírem autorização no Ministério da Educação (MEC). Um levantamento feito pelo G1 apontou que as cidades de São Bento, Paulista e Pombal tiveram denúncias registradas no Ministério Público Federal (MPF) e no Procon da Paraíba contra instituições de ensino entre 2014 e 2019.
A denúncia, em via de regra, é a mesma. Aparece uma instituição oferecendo curso aos finais de semana, com uma aula semanal e mensalidades com preços atrativos. Por conta da publicidade confusa e da vontade de profissionalização, muitas pessoas iniciam os cursos na expectativa de saírem diplomadas, mas no final acabam frustradas porque a instituição em alguns casos não tem sequer registro no MEC como Instituição de Ensino Superior (IES).
E essa foi a suspeita de irregularidade alvo do inquérito aberto no último dia 5 de julho pelo MPF. A denúncia feita à Procuradoria da República na Paraíba informava que um estabelecimento de ensino, identificado como Instituto Belchior, teria supostamente oferecido um curso de extensão, que não prevê emissão de diploma, como curso superior. De acordo com o MPF, o Instituto Belchior não possuía registro no MEC para ofertar curso superior e emitir diploma.
Uma nota técnica emitida pelo MEC e anexada ao inquérito do Ministério Público, que o G1 teve acesso, explicou que a IES precisa constar no site do E-MEC como ativa para que tenha autorização para oferecer cursos superiores. Não bastando a autorização para operar, as instituições precisam de novas permissões para atuarem além do estado de origem ou para manterem cursos a distância.
A suposta irregularidade contra o Instituto Belchior ocorreu na cidade de Pombal, a 371 km de João Pessoa, mas outra denúncia semelhante, desta vez envolvendo outro estabelecimento de ensino, foi registrada a cerca de 39 km, ou cerca de 33 min de viagem, na cidade de Paulista.
Nota técnica emitida pelo MEC ao Ministério Público da Paraíba em 2015 sobre as duas instituições de ensino denunciadas — Foto: Reprodução/Ministério Público da Paraíba
Caso em Paulista
A estudante Bruna Oliveira, moradora de Paulista, contou que uma faculdade que dizia ser do Piauí ofereceu entre 2015 e 2017 o curso de licenciatura em pedagogia na modalidade semipresencial. Ela conta que as aulas aconteciam sempre aos sábados nas dependências de uma escola pública da cidade.
No período de três anos, a instituição, identificada como São Judas Tadeu com sede no Piauí, chegou a formar três turmas na cidade de Paulista. Ela ingressou no suposto curso de licenciatura em pedagogia em 2017. Bruna Oliveira lembra que notou que poderia ter sido enganada quando assistiu a uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo, sobre um caso parecido no Piauí.
“A gente até então desconfiava de que essa faculdade poderia não ser válida. O curso era um fim de semana por mês, uma coisa mais fácil, um valor mais acessível. Mas um dia passou uma situação parecida com a nossa no Fantástico, quando a gente assistiu, foi como se tivesse vendo a nossa história”, contou Bruna sobre a reação dela e das colegas.
Bruna Oliveira (em primeiro plano) e colegas de turma não aceitaram acordo com a instituição de ensino — Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Oliveira
Após a reportagem, Bruna e algumas colegas da turma leram os contratos firmados com a instituição e viram que o curso ofertado era na verdade uma curso de extensão, e que, por conta disso, não teriam um diploma após conclusão. O estabelecimento cobrava uma mensalidade de R$ 160 pelo suposto curso de licenciatura.
“Ligamos para eles, falavam que só iria aparecer como curso de graduação no 7º período, foi quando entramos em contato com o MEC que nos confirmou que o curso era mesmo de extensão e não teríamos diploma, mas um certificado. Foi quando procuramos nossos direitos”, relata a estudante.
Os estudantes se reuniram e formalizaram uma denúncia junto ao Procon da Paraíba contra a Sociedade de Educação Superior São Judas Tadeu (SJTD). A coordenadora do Procon-PB, Kessia Liliana, confirmou a denúncia e explicou que o procedimento de investigação segue aberto. Kessia contou que após pesquisa efetuada pelo Procon ficou constatado que não havia autorização para que nenhuma instituição operasse cursos superiores em Paulista.
Bruna Oliveira explicou que representantes da faculdade chegaram a ir até Paulista e ofereceram transferência dos matriculados nos cursos livres, que é como os cursos de extensão são reconhecidos pelo MEC, para outra instituição. A estudante contou que não aceitou a proposta, embora algumas colegas tenham acordado passar a estudar em outra instituição. Os matriculados que não aceitaram a transferência receberam a promessa da devolução do dinheiro, segundo Bruna Oliveira.
“Fizemos sem nem pesquisar direito, e daí fomos todas lesadas, destruiu sonhos de várias pessoas, perdemos muito tempo, muito dinheiro e a destruição de um sonho”, lamentou Bruna Oliveira.
O promotor da região, Osvaldo Lopes Barbosa, comentou que a denúncia do caso de Bruna e dos colegas ainda não tinha sido formalizado junto ao Ministério Público da Paraíba, embora ele tivesse conhecimento de práticas semelhantes à denunciada ao Procon na região.
“No final de 2018 tivemos muito trabalho com uma denúncia parecida na cidade de Conceição. Convocamos o diretor da escola onde o curso de extensão operava, teve acordo, dinheiro devolvido. Um fato idêntico”, comentou o promotor.
Bruna Oliveira e colegas chegaram até a mandar confeccionar fardamento do curso de pedagogia — Foto: Arquivo Pessoal/Bruna Oliveira
Para Bruna, após o sonho desfeito, a missão é ajudar para que outras pessoas não passem pelo que ela passou. “A gente sabe que cursos semelhantes foram oferecidos nas cidades vizinhas como São Bento e Brejo do Cruz. A gente agora só quer expor o caso para que as pessoas não sejam mais enganadas”, lamentou.